O poder do que parece ser: heurísticas de representatividade e o impacto da imagem na mente humana
- liliam reis
- 24 de out.
- 3 min de leitura
O cérebro humano é uma máquina de sentido: ele transforma o que parece real em verdade. Mas, e quando essa rapidez nos engana? Neste artigo, trago reflexões sobre o pensamento rápido e devagar: inspiradas no trabalho do Nobel Daniel Kahneman e sobre como nós, profissionais da imagem, podemos recriar o imaginário coletivo por meio da estética, do design e da ética do olhar.
Quando o cérebro decide antes de pensar
Nosso cérebro é condicionado a tornar real aquilo que parece ser real.
Esse é um mecanismo neurológico de sobrevivência: o cérebro busca padrões familiares e preenche lacunas com base em experiências anteriores.
É rápido, eficiente e, muitas vezes, necessário.
Essa rapidez foi estudada por Daniel Kahneman, psicólogo israelense-americano que, em 2002, recebeu o Prêmio Nobel de Economia por introduzir conceitos da psicologia cognitiva no campo da economia comportamental.
Sua obra mais conhecida, “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar”, explica como decidimos com base em dois sistemas mentais:
Sistema 1: rápido, intuitivo, emocional.
Sistema 2: lento, analítico, deliberado.
O Sistema 1 utiliza o que Kahneman chamou de heurísticas: atalhos mentais que permitem tomar decisões rápidas, mas nem sempre corretas.
O que são heurísticas e por que elas importam
As heurísticas são estratégias automáticas que simplificam decisões complexas. Elas funcionam como o modo piloto automático da mente: poupam energia, mas também criam distorções. Entre elas, a mais estudada é a heurística de representatividade, que explica nossa tendência a julgar algo com base na aparência ou semelhança com um modelo mental prévio.
No cotidiano, isso acontece o tempo todo:
“Se parece com médico, deve ser médico.” “Se fala como líder, deve ser líder.” “Se se veste como profissional, deve ser competente.”
Esses atalhos são úteis em emergências, mas perigosos quando moldam julgamentos sociais, contratações, escolhas estéticas e decisões políticas.
Quando a aparência engana: um exemplo da vida real
Imagine que você sai de um fórum precisando de orientação jurídica. À sua frente, duas pessoas:
uma de terno e gravata,
outra de camiseta e chinelo.
Quase automaticamente, a maioria de nós pediria ajuda ao terno. Mas e se o advogado verdadeiro for o da camiseta, de férias, e a pessoa de terno for apenas alguém do administrativo?
Essa é a heurística de representatividade em ação: o cérebro reconhece o símbolo (terno = advogado) e o traduz como verdade.
É o Sistema 1 decidindo antes que o Sistema 2 possa analisar.
Na consultoria de imagem, isso mostra o poder simbólico do vestir. A roupa comunica, mas o que ela comunica depende do repertório coletivo que formamos sobre o que é credível, respeitável e verdadeiro.
Da neurociência ao design: o papel dos profissionais da imagem
Essa foi a reflexão que levei ao seminário da Escola de Design da UEMG, ao discutir heurísticas de representação e imaginário visual e sempre bordo esse conceito em mentoria e com meus pares em geral. Partindo da neurociência e da economia comportamental, proponho uma ampliação ética do campo da imagem:
Nosso desafio não é limitar o julgamento, porque ele é parte da natureza humana. O desafio é interferir no imaginário coletivo de forma interseccional, tornando críveis outras possibilidades de existir.
Nós, profissionais da imagem, designers, consultores, publicitários, comunicadores, audiovisual, temos acesso a um repertório simbólico e técnico poderoso. Isso nos coloca em posição de responsabilidade histórica: moldar percepções, romper estereótipos e plantar novas imagens na mente coletiva.
Cada visual, cada cor, cada composição é uma mensagem neurológica que contribui para o modo como a sociedade define credibilidade, beleza e valor.
O futuro do olhar: reprogramar o imaginário coletivo
O verdadeiro desafio não é evitar o julgamento rápido, é criar repertórios visuais que ensinem o cérebro a reconhecer beleza e verdade em novas formas de presença.
Nós, que trabalhamos com imagem, somos arquitetos do imaginário coletivo. Cada escolha estética é uma escolha política e emocional. E, se o planeta não durar 500 anos, pra reparar o que foi feito até aqui, que minimamente, ao menos o que deixarmos em forma de imagem ensine as próximas gerações a enxergar com mais humanidade.






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